Saí da sala onde decorrera o evento com a firme convicção de que o
trabalho proposto seria simples. Afinal, o que seria mais simples do
que falar daquilo que se faz todos os dias? A constatação do meu
erro foi quase imediata: como se encontra a relevância no que para
nós é banal? Foi com esta dúvida na cabeça que atravessei o
Largo de São João do Souto debaixo de uma chuva incessante. Puxei o
capucho para cobrir a cabeça, ignorando o impulso de tirar o pequeno
guarda-chuva de senhora que, num acto de desespero, tinha guardado na
mochila. Queria sentir a chuva a cair e esta fez-se sentir. Dizem que
Braga é o penico dos céus. Tive a prova disso no pequeno percurso
que fiz até ao carro, como se São Pedro me quisesse pôr à prova
para aumentar a autenticidade do relato.
Segui
pela rua do Anjo, passando pela famosa igreja de Santa Cruz,
construída no Séc. XVII num estilo barroco maneirista. Reza a
lenda que na sua fachada existem três galos em alto relevo e que a
moça casadoura que os descubra tem casamento marcado para breve.
Ignorei a fachada - já tinha descoberto os galos antes e, feliz ou
infelizmente, nada acontecera e o meu estado civil manteve-se
intacto. Dois turistas estavam na esquina da rua do Anjo, junto à
famigerada fachada, mas estavam entretidos a tirar selfies à chuva.
Fazem milhares de quilómetros para tirarem fotografias que podiam
ter feito em casa, apontando a máquina para o espelho. Escapa-me o
interesse destas novas tecnologias, penso, enquanto sigo pelo
estreito passeio de granito irregular da Rua do Anjo. Os turistas
seguem pelo mesmo trajecto, tentando ver algum motivo de interesse
naquilo que eu já sabia não ter. Passo pelo largo de Santiago,
depois sigo pela Rua do Alcaide, onde duas obras me obrigam a
ziguezaguear entre os dois passeios, prova de que a cidade se está a
renovar. Mais à frente chego ao largo de Paulo Orósio (e não
Osório como alguns insistem em chamar). No meio do largo, uma
estátua recente de Júlio César, que é o equivalente a colocarem
uma estátua de Hitler no centro de Varsóvia. Para além da
estupidez do acto, a mesma estátua é de uma estética duvidosa que
em nada prestigia a cidade, no meu entender e do de outras pessoas
cuja opinião me lembro de ter lido nas redes sociais e, sendo feita
de plástico, sujeita a acidentes como o que aconteceu recentemente,
para gáudio de muito boa gente.
Passo
em seguida pelo parque radical, complexo situado em Maximinos e que,
além de diversas estruturas para práticas desportivas, ostenta um
conjunto de grafittis de gosto duvidoso e uma escultura que tem uma
ligação à cidade que me escapa: a de uma garrafa de coca-cola do
tamanho de um homem.
Cheguei
ao carro completamente encharcado e com fortes dúvidas sobre o
trabalho que me tinha sido pedido. O resto do caminho foi feito por
uma via rápida que atravessava todo o vale de palmeira, único
reduto dos arredores de Braga que ainda não foi tomado pela
urbanização agressiva. A conquista, no entanto, já foi iniciada,
primeiro com a construção do estádio numa pedreira (e que
resultou, na minha opinião) no desperdício de uma boa pedreira.
Depois do estádio começaram a aparecer grandes superfícies como se
de uma metástase se tratassem, culminando no Nova Arcada, um centro
comercial que veio desviar o pouco comércio que havia no centro da
cidade.
Depois
do Nova Arcada, a paisagem muda. A alteração é visível, mesmo
debaixo da chuva que teima em não querer parar. De repente a
rusticidade dos campos de cultivo torna-se predominante,
especialmente depois de atravessar o rio Cávado. Ao entrar em Vila
Verde dou-me conta do aumento do trânsito, próximo da zona do
Alívio, estranho nome para quem está parado à espera que o sinal
vermelho das obras mude. Opto por um atalho que é substancialmente
mais longo, mas com a vantagem principal de não ficar parado e a
vantagem adicional de me lavar a alma com algumas das paisagens mais
rústicas das redondezas - sinal irrefutável de que estava em casa.