domingo, novembro 26, 2006

12. Dicionário XXX

Reparei ontem que as coisas a que damos mais importância, e que por isso são mais faladas, têm tendência a ganhar mais sinónimos e calões.

Querem uma prova? Comecemos pelo verbo trabalhar. Querem uma palavra semelhante? Tarefa. Que em espanhol se diz "tarea", termo do qual deve vir o nosso termo "tareia". Os ingleses têm um termo igualmente pejorativo, "job", o qual deve ter vindo do personagem mais azarado da Biblia.

Como sinónimo de beber, temos ingerir, emborcar. A palavra comer é mais trabalhada - voltamos a ingerir (o que significa que beber ou comer é a mesma coisa), morfar, meter para o bucho, etc... Podemos inclusivamente ter termos especificos do género pequeno-almoço, almoço, lanche, jantar e ceia. Podemos especificar ainda mais e arranjamos termos como a consoada.

Ou seja, gostamos mais de comer e beber do que trabalhar, o que não é novidade nenhuma.

O grande campeão é, sem dúvida alguma, o sexo. E daí o XXX no nome deste post.

Temos para começar a expressão "relações sexuais". Para resumir "ter sexo" ou "ter relações" é basicamente a mesma coisa, pelo que a expressão "A Alemanha tem boas relações com Portugal e Itália" ganha contornos duvidosos.

Depois temos expressões como "ir para a cama". Quantas vezes não terá a esposa desconfiada perguntado "Já foste para a cama com a Maria?", ao que o marido responde negativamente, aliviado por não ter de mentir. Afinal a queca tinha sido na mesa da cozinha.

A expressão "dormir com" também é curiosa. A mesma esposa pode perguntar ao marido se dormiu com a Maria, e o mesmo marido teria a mesma resposta negativa, porque aquilo tinha sido coisa para uma meia hora que não lhe tinha dado motivos para ter sono, muito pelo contrário...

Existe um cruzamento curioso entre o sexo e a gastronomia – quando dizemos “comer a Maria”, ou “papar a Maria” estamos a falar de sexo, mas quando usamos a expressão “jantar a Maria” ou “almoçar a Maria” estamos a falar de canabalismo, puro e duro.

Continuando com a gastronomia, porque razão é que um queque é um bolo, enquanto que uma queca é uma coisa completamente diferente? Basta ver a diferença nas receitas: se um queque leva farinha, manteiga, água e açucar, já a famosa queca leva um jantar à luz das velas, música romântica, uma garrafa de vinho e uma superficie confortável...

A expressão "dar uma", abreviatura de "dar uma f..." ou dar uma queca", evidencia que a pessoa em causa está perfeitamente ciente do seu potencial, pondo logo de parte a hipótese de "bisar".

Até a própria expressão "fazer amor" é algo contraditória, porque quando chegam a esse ponto as pessoas envolvidas já ultrapassaram nitidamente a fase da indiferença, ou seja, vão fazer algo que já têm. Alguns inclusivamente dizem "fazer O amor", como se fosse uma experiência religiosa e disso dependesse a sua existência.

Os brasileiros podem gostar muito de samba e futebol, mas transar também é com eles. O que me faz pensar que, se comilão é uma pessoa que come muito, uma transacção deve ser uma grande f...

Não posso usar a palavra toda, mas a f... está na boca de toda a gente. Um autêntico broche universal.

Temos ainda a palavra fornicação. Que é uma f... culta.

Se entrarmos pelo sector da cutelaria, temos a célebre "facadinha" no matrimónio. Porquê facadinha e não garfada? Ninguém me tira da cabeça que este termo teve origem em Guimarães. Talvez o D.Afonso Henriques. Não, não podemos ir tão longe. Esse não seria uma simples facadinha, mas uma espada, e das grandes.

E já agora, quem inventou os termos "Aventura" e "Caso"? O primeiro parece ser o título de um livro para adolescentes, "Uma aventura na Quinta" deve ser um treino para uma orgia. E um "Caso" cheira a algo policial, ou seja a coisa deu para o torto. Ainda quanto ao "caso", os ingleses têm uma palavra semelhante, "affair", de "he is having an affair with Maria" ou seja, "ele está a ter um caso com a Maria". Chamem então a porra do CSI...

A coisa assume uma dimensão tal que até a Primeira Vez tem linguagem própria - diz-se que a rapariga foi "desflorada". Ou perdeu "os três".

E por último, o sexo é único pelo simples facto de ter expressões numéricas, como o antigo 69, o qual está na idade da reforma. Hoje em dia está a ser suplantado por novos conceitos como o 699 , cujo grande especialista deve ser o nosso Cristiano R. . (Sem falar no 99, especialidade de um famoso arquitecto de Lisboa, top de vendas no mercado porno).