terça-feira, outubro 08, 2013

486. Progresso

Até há relativamente pouco tempo tinha a tradição de ir passar uma semana de férias no parque de campismo da Torreira. Gostava da calma da povoação, da areia branca das praias sem aquele tumulto de gente nas praias mainstream mais a sul, aquelas onde parece mal nós não irmos - mas o que é um facto é que, durante muitos anos, a Torreira era o nosso paraíso e pronto, não havia nada a fazer. Entalada entre o mar e a ria, numa língua de terra com 1 km de largura, tem um encanto que não consigo encontrar em qualquer outra terra. Por mais que digam que o mar é bravo ou que os fins de tarde são ventosos - dois factos que assumo, a calma com que regresso depois de uma temporada lá cura todos os males. Só o facto de pararmos o carro e irmos a pé para a praia, sem qualquer preocupação com estacionamentos ou atropelos de qualquer ordem, vale, sinceramente, a pena.
E, depois, temos o parque. Conheci-o há muitos anos, durante umas férias no grupo de jovens. Apaixonei-me instantaneamente pelo sítio e gostei do parque. Podia ter casas de banho antiquadas, mas eram limpas por gente que não incomodava os campistas. A zona sul do parque era ocupada pelos campistas residentes, que ficavam todo o ano e tinham as suas tendas arranjadas como se fosse uma aldeia onde todos se conheciam. Era simpático passear por entre estas tendas, gradualmente arranjadas para aumentar o conforto, muitas delas com motivos díspares que lhes davam um ar simpático. Dava gosto cheirar o cheiro dos grelhados e ouvir as conversas de gente que se conhecia há muito. Nós tinhamos a nossa tenda que tentavamos sempre montar próximo dos campistas residentes, longe das confusões das zonas mais afastadas onde os miúdos organizavam bebedeiras e festas mais ou menos ruidosas. Lembro-me de uma noite. É interessante que só me lembre desta noite. Os vizinhos começaram a imitar o som de animais. Nós ajudámos à festa e rapidamente o parque começou a parecer  um zoológico onde nós eramos os animais. No final fomos para a cama com o coração partido pelo facto de que, no dia seguinte, teriamos de montar a tenda e sair. Tinhamos a esperança de voltar no ano seguinte, mas não sabiamos que iria ser a nossa última noite no parque. No ano seguinte, quando chegámos para montar a tenda, encontrámos o parque em obras. Desanimados, procurámos outro poiso, ali perto, mas a magia tinha-se quebrado. As obras duraram anos. Quando tive conhecimento de que as mesmas tinham acabado, voltámos lá, esperançosos de que iriamos encontrar um parque ainda melhor - afinal, é para isso que se fazem as obras, certo? Errado, muito errado. À chegada fomos informados de que o parque ainda não tinha condições. Mas o pior ainda estava para vir. O parque tinha sido completamente remodelado por quem nunca tinha acampado na vida. A zona dos campistas permanentes tinha sido transformado num amplo parque de estacionamento de auto-caravanas. As árvores tinham sido cortadas. O parque tinha sido, pura e simplesmente, assassinado. Chamam-lhe progresso, mas dispenso este tipo de progresso.