terça-feira, setembro 25, 2007

71. Exorcismo dos fantasmas do Liceu

Há que exorcizar fantasmas antigos, a começar pelo Liceu. Ou melhor, pelo agora chamado 3º ciclo do ensino básico, que vai desde o 7º ano ao 9º ano.

Pelo que lá passei, creio que só existem três tipos de alunos.

Os primeiros são os chamados arruaceiros. Tipos de vivem o Liceu apenas para provocarem os outros e testarem os seus limites (como a força dos seus punhos e a resistência dos seus narizes).
Na maior parte das vezes terminam delinquentes.

Os segundos são aqueles que têm algum estilo e que não se metem com os outros. A vantagem destes é que os ditos Arruaceiros não se metem com eles. Na maior parte das vezes transformam-se em funcionários públicos.

Os terceiros são aqueles que não ligam nenhuma ao estilo, nem têm vontade nenhuma de se meterem em confusões. Invariavelmente são chamados totós. Na maior parte das vezes são gente talentosa, podre de rica (eu sou a honrosa excepção - infelizmente).

Enquadrando-me no terceiro grupo, nunca consegui compreender os tipos do primeiro grupo. Não entendia o fascínio que tinham em provocar os professores. Lembro-me que um dia colocámos uma minhoca na fechadura da sala. Não contentes com a façanha, alguém achou por bém pegar-lhe fogo com um isqueiro.

Outra vez pegaram em gafanhotos e deitaram-nos na sala de aula (esta teve alguma piada).

Os recreios tornavam-se invariavelmente um tormento. Pegavam por exemplo, no facto de eu não dizer palavrões. Era um ponto de honra e mantive-o, mesmo quando eles me metiam abelhas pela t-shirt dentro. Hoje em dia digo palavrões com fartura, e gosto dessa liberdade que aprendi na Universidade (isso e a cerveja).

E se isso era assim nesse tempo, onde ainda havia algum respeito pelos professores, imagino agora, quando o professor tem a autoridade de um boneco de trapos.

Tenho portanto um dilema. A minha filha está a terminar o 4º ano do chamado Ensino Básico e vejo a situação da educação no nosso país crítica.

Primeiro temos as estruturas do ensino. Cada vez mais se fecham escolas que obrigam a concentrar os alunos em escolas mais afastadas. Não vejo é como isto pode melhorar a situação dos professores no desemprego nem a desertificação das zonas interiores. Só espero é que alguém tenha pensado bem nos problema de transportes.

Em segundo lugar temos um professor com pouca formação para lidar com os jovens acelerados de hoje e fazer notar a sua autoridade. Os professores têm vínculos precários, sentem-se desprotegidos. Tudo isto gera stress que só piora a situação.

Em terceiro lugar temos os programas extremamente extensos. Ainda agora vi o livro da minha filha que tinha conteúdos ao nível da Saúde que se dava no 9º ano. Para quê?

É preferível haver programas menos extensos - quem quer ter conhecimentos específicos numa determinada área tem os cursos profissionais ou a Universidade. Não há necessidade nenhuma, a meu ver, de carregar os jovens desta forma.

A vantagem de haver programas menos extensos era o facto de se poder dar melhor áreas chave.

Existem dois grandes problemas na escola. Dois problemas crónicos - a Matemática e o Português.

A Matemática é um conhecimento contínuo, uma aventura, não um conjunto de fórmulas que se mete numa cábula. Um dia dei explicações a uma vizinha. Aliás, dei UMA explicação a uma vizinha sobre um determinado assunto da matemática. Mas aquilo que lhe disse foi como estruturar o seu pensamento para chegar à solução. Ainda hoje ela disse que aquilo que tinha dito tinha sido importante na forma como via a Matemática.

O Português é outro quebra-cabeças. Não adianta tentar ensinar os Lusíadas ou os Maias a quem não consegue escrever duas linhas. Não ajuda os crânios do Ministério quererem mudar tudo de um momento para o outro com a tristemente célebre TLEBS (Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário). O problema não é esse. É como ensinar Cálculo Diferencial a crianças de 10 anos.

E depois, quem não se dá bem com o Ensino, opta invariavelmente pelo ensino Profissional. Onde vão parar alunos que, sabendo que podem sempre optar por essa via, não se esforçam para conseguir as mínimas bases. Os professores do Ensino Profissional, apanham com dois tipos de alunos diferentes: aqueles que deixaram o liceu e que sem bases nenhumas optam pela via mais fácil, e os que querem começar a trabalhar rapidamente, e que querem, genuinamente, aprender.

Porque é a chave de todo o processo - os nossos filhos estão ali para aprender. Não são o tubo de ensaio de meia duzia que definem as linhas mestras da educação. Não merecem ter confusões todos os anos com os concursos, não merecem ter professores desmotivados. Não merecem passar de ano sem estar bem preparados.

E nós, enquanto pais, não merecemos tanta incerteza no futuro dos nossos filhos.