domingo, março 04, 2007

16. O regresso de Chuckie

Não, não vou escrever uma crónica sobre o Chuckie, o boneco assassino (creio que é assim que se chama). Creio que nunca vi semelhante filme. Se vi, não me recordo, o que diz tudo sobre o filme.
Vou falar sobre os anos oitenta, jogos e ilustres desconhecidos.

Quem quer que tenha passado pela fase da adolescência nos anos oitenta jogou de certeza num Spectrum. Todos tinham ou pelo menos conheciam alguém que tinha um Spectrum, e os jogos era conhecidos por todos. Os fãs dividiam-se entre os jogadores, que pegavam num jogo e não desistiam enquanto não o acabavam, pegando depois em outro e por aí adiante, e nos utilizadores que queriam saber como a máquina funcionava. É dificil hoje em dia explicarmos o fascinio que tinha um computador com menos possibilidades que os telemóveis actuais, mas um adolescente na altura tinha a noção de que podia criar jogos e vendê-los. A minha cabeça na altura estava cheia de histórias de rapazes que lia nas revistas, que tinham criado um jogo fabuloso e que tinham ganho muito dinheiro com isso. Por mais que tentasse nunca consegui chegar lá, por muito boas que fossem as minhas ideias, nunca consegui criar nada com a qualidade necessária para ter coragem de mandar para o mercado.

Vinte e cinco anos depois, deparo-me por acaso com a biografia de Nigel Alderton, que aos 16 anos cria o jogo Chuckie Egg, uma ideia simples para um jogo de plataformas que puxava a destreza dos jogadores ao limite e que é ainda hoje um marco na história dos jogos - são raros aqueles jogos que causam o mesmo vicio. Lembro-me de passar as férias de Verão com os amigos a jogar Chuckie, organizando campeonatos que duravam tarde inteiras. De qualquer forma, deparei-me ontem na internet com a história de Nigel, um rapaz inglês que criou o Chuckie e que vendeu a ideia à A&F, uma das muitas empresas que comercializavam jogos na altura.

Nigel fez-me lembrar dos meus sonhos da altura, e como não foram realizados. No artigo que li, apercebi-me de dois factores que levaram a que não tivesse tido sucesso. O primeiro prende-se com o facto de que os amigos de Nigel eram também programadores. É mais fácil conseguirmos um objectivo quando estamos rodeados de pessoas com os mesmos interesses e com os quais podemos partilhar descobertas. Eu estava sozinho e mesmo aqueles que poderiam criar alguma coisa não estavam dispostos a isso - dava muito trabalho e em Portugal não havia um mercado para comercializar o produto. E este é o segundo ponto. Nem nessa altura havia empresas apostadas em pegar em ideias de jovens e comercializa-las. Hoje em dia o panorama melhorou, principalmente porque a Internet abriu os mercados. É mais fácil um programador português colaborar com uma empresa de um outro país do que na altura.

Depois do Chuckie, Nigel criou o Commando, uma versão em formato jogo do filme com o mesmo nome, que fez algum sucesso mas nada que parecesse o sucesso que teve a sua ideia original. Depois disso desapareceu do mapa. Não encontro nada sobre ele na Internet.
Quantos programadores este país não terá perdido porque não havia ninguém decidido a apostar neles?

Mais do que combater o deficit com medidas castrantes, porque não promover a criatividade individual daqueles que querem criar algo para fazermos aumentar o PIB e deixarmos de ser tão dependentes das ideias dos outros que estão lá fora têm?